27 de jun. de 2014

[POESIA] Velhos tempos de Inês Maria

O texto retrata uma conversa de um alguém qualquer com um outro, tão qualquer quanto. Tudo é ficção, mas tudo real. Tudo natural.

Era uma tarde ensolarada de setembro. Ainda fazia frio, apesar do cheiro de primavera. Meu casaco era indispensável. Um companheiro. O parque em que eu estava não era dos mais famosos. São Paulo tem muitos, mas poucos com tão pouco, como aquele. De árvores, tocos. De Sol, lampejos. Das borboletas, vida. E ali, sozinho, eu e minha cuia, sempre cheia. Minha cesta, vazia. O conteúdo, dado aos pássaros. Mas eu seguia bem, a pedir que de algum lugar viesse algo a se saber, se ouvir.

Dos raros galhos e das escassas folhagens presentes no Parque Inês Maria, zona Oeste de São Paulo, ruídos. Via-os a balançar. Mas era um balanço leve, a um som compassivo, que crescia. Alguém chegava. Em meu coração, alegrei-me. Conseguia sentir vestígios do velho Inês Maria, povoado de pensadores e fracos humanos, com inusitados desejos de conhecimento e crescimento como gente. Uma lágrima e só. O barulho dos galhos secos de uma árvore qualquer já virava melodia.

“Não era aqui a terra dos pequenos, mas que sonhavam com a verdadeira grandeza?”, indagou-me. Sem perguntar-lhe quem era, devolvi: “Hoje os pequenos se acham grandes, e buscam gigantes desprezos. A melodia já não ouvem, não dançam mais”. Atônito, não se apresentou. Não perguntei. Olhou para a cesta, mas com olhar singelo contei que já nada havia, e ofereci um pouco do que tinha a cuia. Tomou-a de mim e, em círculos andando, bradou por uma pobre e velha música. Contou que não sabia por que agrado seu olhar parado enchia-se de lágrimas.

Não tinha cara de brasileiro. Nem paulista. Interrompi. “És daqui, ou daqui conheces uns?” A única resposta, porém, foi que uma ânsia tão raiva queria um outrora. Me olhou, então, à espera de nova pergunta. Calei. Não disse-me ser feliz, nem ele sabia. Sabia só que o outrora, agora, foi.

O Sol foi-se embora. Não tinha (nem tenho) relógio, mas as horas devem ter-se passado enquanto sós, calados, dividíamos a cuia. Só ela. Palavra alguma. Eu, curioso, o via sem saber se enxergava. Ele, choroso, muito ouvia enquanto pouco escutava. De repente, de pé, andou. Não correu, mas pulou. Parecia sentir. E ouvir. Dançava. Não era dança de música. Parecia dança da vida.

Minha hora de ir chegava. Eu teria de perguntar. E fiz. “De onde vens?”, confiei. “Há tempos não o via aqui”, chutei. Pulou a primeira e foi à segunda, a me contar que recordava de outro ouvir-me. Falou da agora infância, só dele, que o lembrava a mim. Ali vi que os que via aqui ainda haviam. Como saber mais não cabia, terminei: “Como chamas-te?”, na esperança de lembrar quem era. Disse que era Fernando António Nogueira Pessoa.

Mas eu não lembro de nenhum Fernando dos velhos tempos de Inês Maria.

As "respostas" de Pessoa foram tiradas de "Pobre Velha Música", poema seu.
A foto é do site Escapada.blog.br, com post de Fernando Baldan.

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